MPB em cena: Uberlândia revela sua alma musical
- Carolina Longhi
- 4 de mai.
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de mai.
Com casas especializadas, festivais e uma nova geração de compositores, a cidade se firma como polo de difusão musical

O MPB permeia a vivência uberlandense desde sempre, o músico e compositor Carlinho de Almeida se mudou para Uberlândia em 1993 e contou que na época as referências da cidade eram Marisa Monte e Caetano Veloso, enquanto em Belo Horizonte - cidade de origem do compositor - os mais tocados eram João Bosco, Milton Nascimento e Clube da Esquina. Ele relata que ao vir para o interior, seu repertório cresceu, fazendo com que sua criação ficasse mais rica e diversa. Entretanto, acrescenta “Agora, depois de muito tempo, mudou muito o cenário da música. A música sertaneja tomou conta do mercado, a linguagem é essa. O pessoal já está acostumado a ouvir o pop, o rock.”.
Para Almeida, a música popular brasileira ia muito além de um hobby, uma profissão ou uma mera forma de arte, para ele foi uma ferramenta que o permitiu se estabelecer em Uberlândia e criar sua família, que cresceu rodeada dessa cultura. Durante sua carreira elaborou três CDs, produziu diversos jingles, ganhou prêmios em festivais, foi professor escolar e hoje tem sua própria escola de música em que é professor e também se apresenta em seus próprios festivais.
A cidade é conhecida por ser palco do Festival Timbre que é composto por diversas apresentações de cantores nacionais, os destaques do ano passado foram Seu Jorge e Marina Sena . Além do Timbre, Uberlândia celebra o MPB trazendo atrações como Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Humberto Gessinger e Alceu Valença em diferentes eventos sediados na cidade. Mesmo sendo um local fértil para a produção de MPB, principalmente por músicos independentes, a cidade é mesmo reconhecida por suas raízes sertanejas, o Camaru, evento de música sertaneja, é tradicional da cidade e já contou com shows do Luan Santana, Jorge e Mateus, Mateus e Kauan, por exemplo.
Outro espaço rico de cultura musical é a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). As universidades são popularmente conhecidas por sua diversidade, trazidas pela comunidade que a faculdade se encontra, por seus docentes e discentes. Esse encontro de vivências tão distintas culmina em um ambiente de muitos tipos de expressões artísticas e culturais nos Campi. Na UFU não é diferente, ao andar pelo Campus Santa Mônica, Uberlândia, Minas Gerais, é possível encontrar grafites, cartazes de protestos, rodas de capoeira, grupos de dança, feirinhas de artesanato e de produtores independentes.

O Campus Santa Mônica é a casa do curso de Música da UFU, o que facilita o contato de alunos e comunidade aos diferentes tipos de arte musical. Gabriel Lima, estudante de Música e participante do grupo de choro afirma: “Ultimamente tem sido mais movimentado [o cenário musical de Uberlândia], com o pessoal da universidade tocando em vários pontos da cidade considerados importantes, como praças e bares. No entanto, como artista, sempre temos que nos movimentar o máximo possível para que a nossa música possa chegar em outros lugares sem ser no nosso convívio.”. São a partir desses momentos que a universidade pública cumpre seu papel de devolver à sociedade o investimento dela depositado.
Embora Uberlândia seja frequentemente associada à música sertaneja, a cidade também tem uma forte conexão com outros gêneros, incluindo a MPB. Com espaços culturais, casas de show e eventos que abrangem diferentes estilos musicais, a cidade mineira demonstra que sua cena artística é diversificada, acolhendo tanto as tradições regionais quanto as influências de outras vertentes da música brasileira.
Para entender melhor: o'que é MPB
A Música Popular Brasileira, mais conhecida como MPB, surgiu por volta de 1960, como uma segunda geração do estilo Bossa Nova. Apesar de seu nome amplo, MPB não se refere a qualquer música brasileira, mas sim a um gênero específico de produções, sendo diferente do rock, do pop, do samba, por exemplo. A Música Popular Brasileira trouxe novos compositores e intérpretes, além de uma sonoridade nova, que mantinha a suavidade característica do Bossa Nova.
Os festivais de músicas foram agentes importantes para a popularização do gênero. O I Festival de Música Popular Brasileira, da TV Excelsior, em 1965, foi responsável por ser palco de um dos primeiros sucessos do MPB, a interpretação feita por Elis Regina da música “Arrastão” de Vinicius de Moraes e Edu Lobo. Além disso, “A Banda”, de Chico Buarque e “Disparada”, de Geraldo Vandré são marcos relevantes da transição entre MPB e Bossa Nova.
Uma característica que diferenciava o gênero musical dos seus contemporâneos era o caráter de denúncia social, o estilo musical era reconhecido como “música da universidade” pois seus principais ouvintes eram intelectuais e estudantes.
E como se posicionou o MPB durante a Ditadura Militar?
A popularização da Música Popular Brasileira se deu praticamente concomitante ao período da Ditadura Militar, que tinha uma característica muito latente: a censura a qualquer forma de discurso que fosse contra ao regime. Entretanto, isso não parou as produções musicais de MPB.
A fim de fiscalizar as produções foi criado o DCDP (Divisão de Censura de Diversões Públicas), após a instauração do Ato Institucional 5 (AI - 5) que dentre as inúmeras censuras e legislações vigentes durante o governo foi o que se destacou por consolidar a rigidez do regime, retirando diversos direitos como o da manifestação política. A partir da instituição do DCDP toda produção cultural passava por uma análise governamental, caso aprovado, o material poderia ser vinculado ao público e aos meios de comunicação. Caso houvesse recusa, o material ficaria retido e haveria um impedimento de sua execução .
Além do DCPD, que era mais focada em cultura, outros órgãos de fiscalização trabalhavam para a regulamentação das produções brasileiras como o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que era instruído a ser a vigilância política do regime. Era papel do Dops controlar e reprimir movimentos políticos e sociais que o governo considerava ameaçadores. Enquanto o DCDP foi responsável foi inviabilizar a produção de incontáveis filmes, músicas e manifestações artísticas, o Dops prendia e torturava aqueles que “colocavam em risco a segurança do país” segundo o governo da época.
Por conta disso, compositores como Chico Buarque e Gilberto Gil, se tornaram referência no movimento. Para driblar a censura construíram suas letras em grandes metáforas, não deixando que o MPB perdesse sua essência denunciativa e revolucionária. Duas músicas destaque são “Cálice” de Chico Buarque e Gilberto Gil ; “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” de Geraldo Vandré; “Viola enluarada”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle; e "Roda Viva" de Chico Buarque.

Em entrevista para o site Agência Brasil, a professora Heloisa Buarque de Hollanda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) , compartilhou que antes de 1964 havia muito debate sobre a reforma agrária e justiça social.“Esse projeto não dava mais, mas cantar, a coisa dava. Foi uma resistência que entrou no lugar da política, da participação direta na luta pelas reformas”, conta.
Contudo, o regime não desprezou a arte, na verdade tentou muitas vezes fazer uso dela em seu favor. O general Médici se aproveitou da propaganda política em músicas como “Eu Te Amo, Meu Brasil”, da dupla Dom e Ravel, e pressionou escolas de samba a adotarem enredos mais nacionalistas e enaltecedores de conquistas do governo.
O caráter crítico do estilo MPB foi o que sempre o diferenciou de seus, porém para o compositor Carlinhos Almeida, esse traço vem se perdendo dentro do gênero “A música foi usada como denúncia social por algumas décadas, sim, com grandes compositores, grandes letristas. Agora eu acho que não. Os compositores que já construíram as músicas eles estão só cantando, só se apresentando. O que eu vejo que denuncia muito, é o pessoal do rap”, conclui.

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