Anistia nunca mais: como a arte pode ser uma ferramenta de combate ao esquecimento
- Carolina Longhi
- 18 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 9 de mai.
As manchas da história brasileira são encontradas no arsenal artístico nacional

A arte, em suas mais diversas expressões, sempre foi usada como uma ferramenta de denúncia social. No Brasil, a literatura de Gregório de Matos, as músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso e os filmes de Walter Salles são exemplos disso. A cultura nacional é enriquecida de produtos cuja temática principal era expor as hipocrisias da sociedade brasileira.
O lançamento do filme baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva ‘Ainda estou aqui’ em Novembro de 2024 impulsionou a música “É preciso dar um jeito, meu amigo” de Erasmo Carlos para mais de 120 mil reproduções diárias, segundo a Universal Music Brasil . A música faz parte da trilha sonora do longa-metragem que é ambientado no período da ditadura militar brasileira. O filme junto a música, mexeram com a opinião pública e trouxeram à tona a pauta da ditadura militar, seus horrores e como os responsáveis por estes não só não foram punidos como também foram premiados com um perdão, a anistia.
O impacto do filme na opinião pública foi notório. Ao cruzar dados da ferramenta Trends do Google - que exibe dados de termos de pesquisa na plataforma Google, sendo possível filtrar por data e estabelecer comparações - é possível observar picos coincidentes nos termos “Ditadura Militar”, “Marcelo Rubens Paiva” e “Rubens Paiva” em datas especificas, como o mês de lançamento do filme, o dia das indicações ao Oscar e o dia da premiação. Evidenciando como a arte tem impacto significativo na opinião pública.
Outro exemplo, é a manifestação de Gilberto Gil na sua turnê de despedida “Tempo rei” durante a música “Cálice” produzida em conjunto com Chico Buarque. Tal música foi lançada apenas em 1978 pois foi vetada pelo governo militar em 1973. A música é uma grande metáfora das práticas sanguinárias do regime militar, porém a parte que mais se destaca é o título que é repetido diversas vezes durante a canção e sua sonoridade remete ao termo “cala-se” fazendo referência direta à censura da ditadura. Gil ao performar “Cálice” exibiu no telão imagens da ditadura, dando destaque aos protestos da época. A música foi recebida pelo coro de “Sem anistia” da plateia.

Uma das grandes vitórias de nossa democracia é ter se apropriado de lugares perversos na era da ditadura construindo memoriais e museus. A sede do Deops em São Paulo, por exemplo, é um Memorial de Resistência, aberto ao público. No Rio de Janeiro, foi criado o Museu do Trabalho e Direitos Humanos no espaço que era o 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército (BIB) e o 22° Batalhão de Infantaria Motorizada do Exército (BIMtz), locais de repressão e tortura no Sul Fluminense.
Recentemente a democracia brasileira vem sendo alvo de ataques daqueles que têm objetivos perversos para a política local. Os interessados na derrubada da democracia pedem por anistia, clamam que o Estado os deixem impunes. São nesses momentos em que resgatar as memórias sombrias do período da ditadura militar se faz essencial. A arte nos permite refletir criticamente nossa realidade. E vale lembrar que a arte só tem tal liberdade por conta de nosso regime democrático, pois em tempos de ditadura ela respirava por aparelhos e mesmo assim cumpria seu papel de denúncia social, nem que fosse por meio de grandes metáforas ou colocando a vida de seus donos em risco.

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