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A Música Popular Brasileira como resistência à manipulação midiática promovida pela ditadura militar brasileira

  • Foto do escritor: Lorenza de Lourenzo
    Lorenza de Lourenzo
  • 18 de fev.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 9 de mai.

Chico Buarque participando de protesto no Rio de Janeiro contra o regime militar. Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Chico Buarque participando de protesto no Rio de Janeiro contra o regime militar. Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Com medo de uma “ameaça comunista” o congresso uniu forças aos militares brasileiros com o objetivo de forçar o impeachment de João Goulart, presidente do país até então. As movimentações ocorreram entre os dias 31 de Março e 2 de Abril de 1964. Dentre esses dias, a base do governo tentou fazer articulações contra a deposição, contudo nenhuma obteve sucesso em impedir a ascensão dos militares ao poder. Com o exílio de Jango no Uruguai e três representantes de alta patente do exército atuando como chefes de estado, se dá início a um dos períodos mais sombrios da história brasileira. A ditadura militar, que perdurou por 21 anos.


Durante esse período, o governo recorreu a estratégias de manipulação de massas, buscando estabelecer uma crença na população em que todo aquele mal e crueldade que acontecia era justificável, por um bem maior. A Teoria da Agulha Hipodérmica, conceituada pelos estudos americanos da comunicação, apresenta a ideia de manipulação consolidada a partir da distribuição de  informação “injetada” no público (daí surge o nome da teoria) sem que ele tenha capacidade de questioná-la ou de resisti-la. Esse pensamento considera os efeitos de manipulação das massas, onde os meios estimulam e os indivíduos reagem de maneira semelhante, ou instintiva, a esse estímulo.


O governo militar implementou um rigoroso controle da informação, censurando qualquer tipo de manifestação contrária ao regime, a fim de moldar o pensamento da população brasileira. Os principais instrumentos de manipulação utilizados pelo regime ditatorial eram a censura à imprensa, a propaganda estatal e a manipulação televisiva. O regime acreditava que, ao "injetar" suas mensagens na sociedade, sem oposição, poderia garantir apoio popular incondicional e silenciar os críticos.


A ditadura controlava jornais, rádios, revistas e canais televisivos, impedindo a veiculação de notícias que pudessem enfraquecer a imagem do regime. Grandes veículos, como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil, tiveram matérias censuradas e jornalistas perseguidos. O regime produziu campanhas para reforçar ideais nacionalistas, como o famoso slogan “Brasil: Ame-o ou Deixe-o”, que sugeria que criticar o governo equivalia a trair a pátria. A televisão era usada para difundir uma visão positiva do governo e esconder as denúncias de repressão e violência.


A Música Popular Brasileira foi uma das principais formas de resistência contra a Ditadura Militar, desafiando a censura e combatendo a manipulação midiática promovida pelo regime. Em entrevista com Silvano Baia, Mestre em Música e Doutor em História Social, o professor apontou que não era qualquer música popular brasileira que seria automaticamente considerada MPB. O termo teria servido como “guarda-chuva” para as composições com bons textos, com elaboração mais específica e posicionamento político, podendo assim emprestar credibilidade às obras.


Enquanto o governo usava a mídia para difundir um discurso de otimismo e controle social, músicos e compositores driblavam a censura, utilizando metáforas, ironias e poesia para transmitir mensagens de contestação. Silvano abordou a censura realizada por milicos durante o regime militar, explicando que o impacto social das músicas que poderiam conter denúncias políticas era dependente do público do musicista, que poderia ou não interpretar esses significados escondidos nelas. Ele usou como exemplo a música “Samba dos Treze Anos” do Luiz Ayrão, que não foi censurada mesmo contendo críticas ao regime, porque nem os milicos nem o seu público se preocuparam em interpretar essa mensagem. Da mesma forma, ele também citou como Chico Buarque teve diversas de suas obras censuradas, que às vezes nem continham críticas, por causa da reputação que a ele foi atribuída a partir de suas músicas e público.


Diante da política rígida imposta sobre criadores culturais, que analisava e filtrava toda e qualquer produção a ser divulgada à população, os artistas do MPB utilizavam recursos linguísticos para camuflar manifestações de resistência ao governo. A música brasileira informava o público de forma sutil, evitando a censura direta, criava um sentimento de união entre opositores do regime e influenciou parte da população a questionar o governo.


Os artistas da MPB sabiam que letras explicitamente contra o regime seriam barradas, os músicos recorreram a estratégias como o simbolismo, duplo sentido e imagens poéticas para driblar a censura e construir questionamentos sólidos ao governo. O objetivo era informar o público sobre a verdade por trás do poder militar, ajudando a reconstruir a liberdade de expressão no território brasileiro.


As músicas desafiavam a censura e denunciavam a manipulação midiática promovida pela Ditadura Militar. Enquanto o governo usava a mídia para criar uma imagem positiva do regime e esconder suas violações, os artistas da MPB encontraram maneiras criativas de expor a verdade ao público. A resistência musical foi essencial para manter viva a consciência crítica da sociedade, mesmo sob forte repressão.


Uma das músicas mais icônicas contra a censura, "Cálice", escrita por Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, utiliza um jogo de palavras para criticar o silenciamento imposto pela ditadura. O trocadilho entre "cálice" e "cale-se" faz uma denúncia direta ao controle da mídia e à repressão estatal: 

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Outra música que marca a resistência à manipulação midiática por parte do regime militar, é “Ouro de Tolo”, de Raul Seixas. A obra de 1973 ironiza a falsa ideia de progresso e felicidade promovida pela propaganda oficial do regime. O governo vendia a imagem de um milagre econômico, mas a realidade era bem diferente para a maioria da população:

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A canção “Divino Maravilhoso”, escrita por Caetano Veloso e Gilberto Gil, se popularizou na voz de Gal Costa em 1968, sua letra convida o público a "prestar atenção" na realidade, e não nas promessas ou no discurso da mídia oficial. Seus versos representam um chamado à população, que deve se atentar à resistência e à consciência crítica, a fim de combater a alienação e a manipulação da opinião pública:

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Outra obra marcante de 1968 que representa claramente a resistência à manipulação midiática promovida pelo regime militar é "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores" de Geraldo Vandré. A canção denuncia a mídia que tentava vender uma imagem de paz e ordem enquanto havia repressão violenta. A música foi vista como uma ameaça pelo regime por desmascarar a narrativa oficial de estabilidade social:

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Durante a Ditadura Militar Brasileira, a mídia foi fortemente utilizada como ferramenta de controle social, com o objetivo de sustentar a imagem de um país próspero e unido sob o regime autoritário. Através de censura, propagandas políticas manipuladas e perseguição à imprensa, o governo moldava a opinião pública e silenciava qualquer forma de crítica. Nesse contexto, a Teoria da Agulha Hipodérmica, que entende o público como receptor passivo de mensagens midiáticas, revela-se útil para compreender como a ditadura buscava injetar ideologias na população, sem espaço para reflexão ou contestação.


No entanto, a cultura, especialmente a Música Popular Brasileira, se estabeleceu como um dos mais poderosos instrumentos de resistência contra o governo. Compositores como Chico Buarque, Gilberto Gil, Raul Seixas, Belchior e Geraldo Vandré desafiaram a manipulação promovida pelo regime militar por meio de letras carregadas de crítica social, ironias e metáforas sutis que tentavam driblar a censura. Essas músicas não apenas questionaram o discurso oficial, mas também encorajaram a população a refletir, resistir e manter viva a esperança de liberdade.


Assim, a MPB revelou-se um verdadeiro espaço de expressão, onde a arte cumpria o papel que a imprensa silenciada não podia exercer. Por meio da música, artistas criaram uma forma de diálogo com o povo, denunciando a violência, a censura, as desigualdades e o controle ideológico disfarçado de patriotismo. A resistência demonstrou que, mesmo em tempos de repressão extrema, a arte é capaz de furar os bloqueios impostos pelo poder, promovendo a consciência crítica e preparando o terreno para a redemocratização do país.

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